quinta-feira, 26 de abril de 2012

Tomar a quatro mãos

dois quadros de Simões d’Almeida (tio) e Malhoa



Encontrei muito recentemente estas imagens de duas pinturas a óleo. Achei que valia a pena partilhar e chamar a atenção para elas.
Ao contrário do que agora é costume, em que se compara, a torto e a direito, a propósito e a despropósito, tudo e mais alguma coisa, a comparação aqui é evidente. Trata-se de dois quadrinhos com tomadas de vista muito semelhantes, datados do mesmo ano, pintados por dois grandes amigos – ex-mestre e ex-aluno – um Escultor, outro Pintor. Quem sabe se pintados a par, ao mesmo tempo, na mesma jornada ar-livrista…?! 
Peço desde já desculpa por não verem aqui uma dúzia, um par, ou sequer uma só personagem a tocar viola, agarrada a uma guitarra ou outro instrumento de cordas – isso é que era!... Mas não temos.
Por hoje, só paisagem naturalista, da primeira, ainda do tempo do Grupo do Leão.
Ambas as imagens foram encontradas em catálogos de leiloeiras já antigos. Os dados das obras são os ali indicados, e as fotos são o que são.

Sobre a pintura de José Simões d’Almeida Júnior (1844-1926), intitulada no tal catálogo «Vista de rio com arvoredo e casario», lemos que é um «óleo sobre cartão prensado, assinada e datada, 1887 (com dedicatória no verso)», infelizmente não nos são dadas as dimensões da obra.

Já o quadro de José Malhoa (1855-1933) é ali intitulado «Vista de aldeia à beira rio», dizem-nos que é um «óleo sobre madeira, assinado e datado, 1887», com 15x24 cm, e indicam ainda que «figurou na grande exposição do pintor, em 1928».
(Esta última indicação é duvidosa - numa rápida verificação, não o encontro. Mas não é isso que agora interessa…1)

Poucas dúvidas haverá que ambas registam o mesmo – o Nabão em Tomar – com uma ligeira diferença nas tomadas de vista – daí a possibilidade de haverem sido feitas a par, um colocado mais à esquerda que o outro – mas com uma interpretação e leitura bem diferentes do real. Do registo das silhuetas, ao tratamento dos planos construídos, e até na contagem do claro-escuro dos vãos…

- Não é o mesmo cenário! – dirão – Até pode ser, mas depois de obras de alteração!  
Olhem que não! Aquilo é a mesma coisa e, a acreditar nas indicações que nos são dadas pelos catálogos, pintadas no mesmo ano. E a hipótese de o terem sido ao mesmo tempo, numa ida ou vinda de ambos de Figueiró dos Vinhos, não seria coisa de estranhar…

Repare-se de novo. Como quem procura “as sete diferenças” nos passatempos do jornal.
Agora, semicerrando a vista, numa visão global…

É a leitura de um Escultor versus o registo de um Paisagista? É uma visão ainda um pouco «Romântica», ou já «Realista», contra uma interpretação «Naturalista», ligeiramente «Impressionista»? Ou é tudo isso ao mesmo tempo, naquilo que se veio a chamar Naturalismo em sentido lato e, definitivamente, depois da aventura do Grupo do Leão (1881-1889)?
Porque durante esse período, sejamos sérios, os novos termos eram usados um pouco indiferentemente pelos mais diversos “críticos” ou “teóricos” – que, contrariamente ao que agora parece a uns tantos, não seriam melhores nem mais bem preparados que os Artistas, talvez antes pelo contrário…

O que torna estes dois quadrinhos (creio que o do Simões também seja de pequenas dimensões) tão interessantes é isso mesmo: a prova provada que o registo naturalista – logo este, o inicial - vai para além da realidade e, para lá do que se diz, interpreta, impressiona e impressiona-se. Reinventa e compõe, em plena liberdade.
Só isso justifica, por exemplo, o sucessivo pairar pelos céus de Figueiró da silhueta do Convento do Carmo que nos aparece em muitos quadros de Malhoa nas situações mais inverosímeis… Ou nunca repararam?!

Ficam as imagens. Dão para muita conversa.





Publicado originalmente em 4 Abr. 2012. LBG



1. Este quadro figurou, sim, na Exposição do Cinquentenário da morte de José Malhoa, IPPC 1983, e no respectivo catálogo sob o nº 8 e o título «Paisagem».
Figura igualmente no livro José Malhoa, Arting 2008, com o título «Vista de Aldeia», mas com a datação manifestamente enganada.


Sem comentários:

Enviar um comentário

O seu comentário, contributo ou discordância é sempre benvindo. Será publicado logo que possível, depois de moderado pelo administrador. Como compreenderá, não publicaremos parvoíces... Muito obrigado.