terça-feira, 11 de dezembro de 2012

A Liquidadora do Libório

“By Appointment to Malhoa, since 1904”


Corria o ano de 1904, o mês era Março.
Malhoa andava atarefado com as obras da nova casa na Av. António Maria d’Avelar. Dias antes havia anotado, no seu livro pessoal de «Receita e Despeza», o pagamento à Câmara Municipal de Lisboa do «resto da importância porque me vendeu o terreno da rua Pinheiro Chagas», mais os selos e emolumentos da praxe – uma quantia calada.



No primaveril dia 21, Malhoa assenta o seguinte:
«Comprei na Liquidadora (Liborio):
1 Sofá e 12 Cadeiras em pau santo – 300$000
1 Commoda antiga com ferragens – 170$000
1 Contador – 50$000
1 Mobilia de quarto de Cama e toillete – 280$000
Comprei na Liquidadora um busto João de Deus – 1$100
2 Quadros com desenhos – 2$800
1 Sofá estofado (genero persa) - 10$000
1 Cadeira antiga (de braços) – 6$000
2 Almofadões (genero persa) – 1$600
1 bufete – 18$500»



Trata-se, sem qualquer dúvida, de coisas destinadas à casa nova que em breve iria estrear.
Alguns destes objectos são ainda hoje possíveis de identificar com razoável certeza: O contador e o bufete, muito provavelmente este e mais este [1],  farão parte do espólio do Museu José Malhoa nas Caldas da Raínha.

         
  A cadeira de braços, D. João V ou D. José, acabará registada num dos seus quadros – em O Descanso do Modelo, c.1913, pintado já no novo atelier, lá a podemos encontrar – Malhoa retratou-a para a posteridade.






          O busto de João de Deus, em terracota, da autoria de Costa Motta e datado de 1895, tal como os almofadões, são outros dos objectos comprados na Liquidadora que José Malhoa conservará consigo até ao fim da vida.


A Empreza Liquidadora, de José dos Santos Libório, dará origem à Leiria & Nascimento, e esta tem actualmente continuidade na World Legend. Uma história longa e simpática ligada aos leilões e ao mercado da arte.

Fica a nota, assinalando os cento e trinta anos de vida da WL [2], e algumas das peças que Malhoa ali comprou no longínquo ano de 1904.

11 Dez. 2012. LBG



[1]  Há um outro bufete que também era de Malhoa. Mas, pelo preço e pela similitude com o contador, o então comprado na Liquidadora deverá ser aquele.
Trata-se, por certo, de mobiliário proveniente do atelier de Lisboa e não, como referido no historial da matriznet, «provenientes do atelier do Mestre Malhoa em Figueiró dos Vinhos». Logo, pelo seu carácter claramente mais citadino em oposição ao mobiliário mais ligeiro existente no «Casulo» - veja-se, aqui e aqui, a mesa da casa de jantar, mandada executar por Malhoa ao carpinteiro Joaquim Granada aquando das obras de ampliação do «Casulo» (1898-1901) e que até há alguns anos havia miraculosamente sobrevivido in loco. Depois, porque posso garantir que o Senhor Luiz Pinto, talvez ao contrário de outros, não tinha por hábito doar o que lhe não pertenceria… e o que Luiz Pinto doou para o museu foram coisas do atelier de Lisboa (as que doou e as que outros por ele doaram).
[2]  World Legend que, entretanto, fechou portas. É por isso que o link deixou também de funcionar (18 Fev.2019)








3 comentários:

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    1. Exmº Senhor (Deduzo eu, apenas pelo duplo uso do masculino na sua missiva. Não que faça qualquer descriminação de género. Mas, para responder ao que me pergunta, como julgo que pretende, convenhamos, é pouco, muito pouco…)
      Diz-me que está fazendo um «doutorado comparativo» no Brasil onde aborda a obra de Malhoa. Ainda bem. E desejo-lhe os maiores sucessos. (Mas, compreenda, «doutorados» desses, ao que vou sabendo, entre cá e lá, será o enésimo. E o Brasil, onde tenho bons amigos, alguns em diferentes universidades, é um país tão grande… Não estará à espera que eu, apenas com isso, fique deslumbrado. Continua a ser pouco…)
      Diz também que andou por diversos arquivos, «de Alpiarça a Figueiró, do Porto a Lisboa». (Aqui, francamente, interrogo-me sobre que misterioso «arquivo» terá conseguido consultar em Figueiró dos Vinhos!? Mas, enfim…)
      E às Caldas da Rainha, foi? Não foi ao museu que tem o nome de José Malhoa, ele mesmo?! (Pois é ali que está grande parte do espólio do Artista – da pintura ao desenho; dos caderninhos de esboços e apontamentos, aos livros de “coupures” com os recortes das notícias de imprensa que Malhoa meticulosamente guardou; fotografias e diversos papéis; a paleta e o cavalete do atelier lisboeta; e até, como refiro acima, peças da mobília de casa… E é lá, nas Caldas, que também encontra boa parte da correspondência de Malhoa, designadamente com Augusto Gama ou Alberto Rego. Além de uma biblioteca temática.) Pretende ajuda, quer um conselho? Se não foi, e antes de qualquer outra coisa, é ali que terá de ir.
      Agora, sobre a questão, sobre o tal livro. Como já deve ter percebido, também pouco lhe posso adiantar: que faz parte dum espólio privado e que não é acessível. É isto.
      LBG.

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