sexta-feira, 10 de junho de 2016

Porque hoje é Dia do “Coiso”

(o postal do Veríssimo)


Prometi mostrar, aqui atrasado, quando falámos do António Carlos, o verso de um postal que Veríssimo José Baptista enviou em 24 de Março de 1907 a Malhoa. Na altura mostrei a frente, porque reproduz precisamente a Cabeça do António Carlos, 1903, ou Cabeça de Velho (ou também chamado O Regedor), já então na colecção de J. Relvas.
Hoje é um bom dia para cumprir a promessa e revelar o resto. Porque hoje é Dia do “Coiso”.

O postal, dirigido ao «Exmº Snr José Malhôa», então morador na «Avenida Antº Maria d’Avelar», é simples e conciso:

«O coiso – nasceu 1525 + 1579 [1] foi ferido [mostra o desenho de um olho] direito em 1545 ou 1547 era soldado raso ferido n’uma escaramuça em Ceuta | Tomada Ceuta 1415 | Servirá? – | Veríssimo | 24-3-907».



Como facilmente se percebe, esta é uma missiva que apenas se manda aos Amigos, e aos mais íntimos. Daquelas onde não é preciso dizer grande coisa que já sabemos que o outro entende o resto. É das que eu gosto.


João Rodrigues Viera (1856-1898), 
José Moura Girão  (1840-1916), 
Veríssimo José Baptista (?), 
Manuel Henrique Pinto  (1853-1912), 
João Vaz (1859-1931) e, 
em baixo, José Malhoa (1855-1933). 
Todos condiscípulos 
da Academia das Belas Artes. 
Todos, 
à excepção do amigo Veríssimo 
que trocou os pincéis por outra vida, 
membros do futuro Grupo do Leão.

Uma foto de
«J. Loureiro, Fº, Calçada do Duque, 18».

O Veríssimo era, talvez mesmo a par do Manuel Henrique Pinto, dos maiores amigos de Malhoa. Colegas na Academia - e aqui está ele nesta fotografia que será anterior à formação do Grupo do Leão - ficaram amigos para a vida. Veríssimo abandonou logo os pincéis, terá arranjado emprego estável na Companhia dos Caminhos de Ferro. Mais de uma vez, em ocasiões diversas, Malhoa lamentará o facto, referindo-se sempre a ele como um condiscípulo promissor. Depois os contactos passariam a ser esparsos - não era preciso mais, a forte amizade era tudo. 

Em 1910, Malhoa pintar-lhe-á o Retrato. Um grande retrato, o último da série em que retrata os amigos mais chegados em poses e trajos à le dix-septième siècle. Um retrato que, em 1911, leva mesmo ao Salon de Paris.
(Mas isto é uma outra história, e fica para uma outra vez…)


Aqui neste postal, como bem se entenderá, Veríssimo responde a um pedido de ajuda de Malhoa, então às voltas com a investigação histórica sobre a figura do “Coiso”.
Andava, por essa altura, Malhoa muito atarefado com as encomendas para o Museu Militar. E a recolha de toda a informação possível para uma justa feitura das obras era coisa que ambos haviam aprendido nas aulas de Pintura Histórica. Nessa busca, Malhoa também deverá ter tido notícia de um outro documento, datado de 1550, que diz o seguinte: « …filho de Simão Vaz e Ana de Sá, moradores em Lisboa, na Mouraria; escudeiro, de 25 anos, barbirruivo, trouxe por fiador a seu pai; vai na nau de S. Pedro dos Burgaleses... entre os homens de armas» [2].

E foi assim, pelas graças do “olho” do Veríssimo e do tal documento que o diz «barbirruivo» que o “Coiso” de Malhoa terá ganho muitas das suas acertadas características.

Aqui fica ele, 
Camões, 1907, 
o sublime, 
o grande poeta 
Luís Vaz de Camões. 
Pela mão de Malhoa, 
na versão final 
existente 
no Museu Militar, 
e num estudo 
a carvão do acervo 
do Museu José Malhoa.

Mas também 
na sua Poesia, 
 umas belas 
pinceladas
 na nossa Língua.












Termino
como Veríssimo:
- «Servirá?»


Perdigão perdeu a pena
Não há mal que lhe não venha.

Perdigão que o pensamento
Subiu a um alto lugar,
Perde a pena do voar,
Ganha a pena do tormento.
Não tem no ar nem no vento
Asas com que se sustenha:
Não há mal que lhe não venha.

Quis voar a ua alta torre,
Mas achou-se desasado;
E vendo-se depenado,
De puro penado morre.
Se a queixumes se socorre,
Lança no fogo mais lenha:
Não há mal que lhe não venha.

(Luís de Camões)





10 Jun. 2016. LBG

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[1]. Hoje em dia ainda não há certeza quanto às datas quer do nascimento quer da morte do Poeta. As opiniões variam: 1524 ou 1525, e 1579 ou 1580.

[2]. A parte da nau parece que não chegou a ser, pelo menos daquela vez… terá ido noutra, para a Índia, bem entendido.


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